ESCREVO O QUE PENSO
E SÓ PENSO EM VOCÊ!
APELO
Minha dor sufocada,
Minha imensa agonia,
Tua imagem que atormenta
As minhas noites vazias.
Meu pranto derramado
Sobre este alvo papel,
É um pedido de socorro
Nesta torre de Babel.
É meu apelo clamante,
É minha dor tão contida
É a saudade que eu sinto
Dos teus beijos, minha querida!
(Danilo Soares Marques)
MANCHAS DE SAUDADES
Estou com saudades, não minto
Óh! que destino cruel!
Dos meus olhos duas lágrimas caíram
Mancharam de azul o branco do papel
Uma estranha imagem se formou
E nela vi seus olhos e sua boca
E uma saudade imensa eu senti
E entre lágrimas e tinta escrevi
Todo o amor que por ti eu sinto
(Danilo Soares Marques)
FUTURAS SAUDADES
Lembro com saudades teu corpo perfeito
Teus lábios carnudos e sensuais
Teus louros cabelos roçando meu peito
Em carícias curtas e casuais
Tua voz macia sussurando meio sem jeito
Que o amor que sentes é eterno
Palavras de paixão sem preconceito
Me levando ora ao céu ora ao inferno
E eu tentando compreender
O amor que por mim tu sentes
E se amanhã eu me arrepender
E de ti ficar abstinente
Na certa hás de entender
Que amei-te loucamente
(Danilo Soares Marques)
SE
Se na natureza nada se perde então não te perderei
Se na vida tudo passa, então minha dor passará
Se sonhar é acordar pra dentro, então contigo sonharei
Se não há bem que sempre dure, então nosso amor acabará
Se amar é sofrer, então te amando sofrerei
Se a vida é curta, então os amores também são
Se o pecado mora ao lado, então somos vizinhos
Se quem espera tudo alcança, então te conquistarei
Se cada coisa tem seu tempo, então meu tempo é agora
Se o tempo cicatriza as feridas, então estou curado
Se o triunfo nasce da luta, então por teu amor lutarei
(Danilo Soares Marques)
DESASSOSSEGOS Calado e mudo queda-se meu coração, Apenas trevas cobrem a amplidão, Que outrora foi um sonho de amor… Calado e mudo queda-se meu violão, É morta na garganta a voz dos sentidos, A dor traiçoeira não reluz Dilacerando, ensangüentado minh'alma… A paz voltou, é terminado o amor. E eu? Quem sou? Perguntam eu quem sou? Pois bem, eu lhes direi: sou um poeta, Igual a qualquer outro que amou, Sofreu, e por um grande amor viveu. Dias iguais… Terrivelmente iguais… Dor que cresce mais e mais, No festim diabólico da vida. Aqui jaz o covarde. Ali o forte. Aqui dorme um estranho. Ali estou eu… Mas ninguém sabe como ele viveu… Não se lembram da dor do poeta, Nunca ouviram o riso da paixão… Não sentiram tremer o corpo inteiro Ante o beijo da mulher amada… Não viram a cor dos seus olhos. Não sentiram o medo do perigo, De viver um amor sem sentido. Nunca sonharam. Nunca, nem de leve. (Danilo Soares Marques)
Amo a loira, amo a morena
Amo a grande, amo a pequena
Amo a magra esquelética
Amo a gorda peripatética
Amo até quem não me quer
Mas sobretudo amo a ti, MULHER!
Escrevi teu nome BETANIA
Clamei por ti CANIA
Gritei teu nome DANIA
Chorei por ti ESTEFANIA
Murmurei teu nome FANIA
Me apaixonei HERMANIA
Concordei contigo IVANIA
Lembrei de ti JANIA
Menti para ti MELANIA
Pedi para ti TITANIA
Solucei por ti URANIA
Te amei demais VANIA
Casei contigo TANIA
Garota sapeca
Menina muleca
Não diga ai ai
Diga Papai
Papai, papai, papai
Garota levada
Menina travessa
Esquece a boneca
Não diga ai ai
Diga Papai
Papai, papai, papai
Garota mimada
Menina levada
Garora sapeca
Menina moleca
Não diga ai ai
Diga Papai
Papai, papai, papai
(Danilo)
BELA, BELÍSSIMA
Bela, belíssima, esta flor que cultivei
Nasceu numa bela manhã de primavera
À luz lânguida do divino astro rei
E entre versos e quimeras me conquistou
E em explosões de cores me atormentou
E humildemente a ela me entreguei
Se amanhã tua beleza se esvair
Se teu brilho teimar em desaparecer
E se tuas cores desbotarem
Não fiquem tristes meus amores
Pois um pouco de perfume sempre
Fica nas mãos de quem oferece flores!
(Danilo Soares Marques)
DECLARAÇÃO DE AMOR À UMA GRANDE SENHORA
Um pouco envergonhado, devo confessar
Estou apaixonado e, custe o que custar
Quero estar sempre a teu lado e no teu colo adormecer
Sonhando extasiado com um novo amanhecer
Permita minha querida te declarar meu amor
A ti entrego minha vida, minha fraqueza, minha dor
Uma dor que de tão sofrida transformou-se em poesia
Seguirá por toda a vida na tristeza ou na alegria
Tua majestosa imponência meu coração conquistou
Tua humilde sapiência minh'alma transformou
Em toda minha existência nada disso aconteceu
Apesar da minha experiência, meu coração se rendeu
És grande, imponente, majestosa, és linda, divina flor
És bela e maravilhosa, és poesia, és amor
Tu és tudo o que mais quero em toda minha vida
Viver junto a ti espero, minha SÃO PAULO querida!
Toda cidadezinha do interior tem uma praça. As pessoas que por elas circulam olham nos olhos, cumprimentam. Quem chega de fora é imediatamente notado,todo mundo conhece todo mundo, e quem é de fora se sobressai logo. Velhos ou jovens, as pessoas se cumprimentam; basta fazer o mesmo percurso, sentar num banco ou caminhar alguns passos, e logo nasce um cumprimento complacente. E é assim que as pessoas se comportam nas pracinhas do interior.
As praças, em seus jardins floridos têm alguma coisa de enigmático. A magia se transforma e o mistério assume formas diferentes dentro de cada ser vivente.
Vizinhos compartilham suas conversas em bancos estrategicamente colocados ao longo do círculo calçado ou simplesmente coberto de areião.
A barraquinha de inutilidades da dona Alicia; a banca de jornal do Adamastor, o carrinho de água de côco de Dona Albertina. Mangueiras e flamboyants a perder de vista e, claro, a sexta-feira da praça!
Sim, a sexta-feira da praça é um acontecimento que envolve não somente os frequentadores assíduos da cidade do interior, mas inclue também aqueles que vem das redondezas. Marechal, Santa Isabel, Biriricas, e afins. As barraquinhas de churrasquinho ficam apinhadas. Os bancos não dão conta de tanta gente que vem à praça durante o dia e à noite. Pessoas diversas confraternizam suas angústias e frustrações, desejos e paixões, amores e dissabores, anseios e devaneios. De vez em quando, aqui e acolá, rola um reggae, um sertanejo ou uma música brega.
Um dos frequentadores da praça é o Rouxinol: corpo delgado, cabelos esticados de índio, pele negra, sorriso largo. Parece estar sempre feliz. Tem esse apelido não porque goste de cantar ou algo semelhante, mas pelo costume que tem de viver assoviando. De tanto ouvir chamarem-no de rouxinol incorporou o nome devido ao gosto pela sonoridade da palavra e nunca mais largou. Nunca se descobriu o seu nome. Alguns dizem que é Artur.
E o coreto? Ah sim toda praça tem um coreto. Palco de manifestações culturais ou simplesmente local abrigado para se jogar um carteado ou dominó.
Um elemento essencial nessa paisagem interiorana é a Igreja. Toda praça tem uma igreja e toda igreja tem um relógio. E o relógio gira para um lado e as pessoas giram para o outro. As crianças brincam e o relógio gira. Os velhos conversam e o relógio gira. A vida passa e o relógio continua girando.
A noite cai, os mais idosos se recolhem, os jovens enamorados continuam. O carrinho do côco já se retirou. O pipoqueiro faz a última fornada de pipoca doce e salgada. A cidade em breve estará adormecida e o relógio continuará girando.
Danilo Soares Marques
Uma viagem de trem pode ser comparada à nossa vida. Compramos a passagem de ida sem saber se um dia voltaremos. Nos embarques e desembarques muitas surpresas agradáveis nos aguardam, mas também grandes tristezas em alguns desembarques.
Quando nascemos entramos nesse magnífico trem sem saber o seu destino e nem quando desembacaremos, pois isto não nos é dado saber. Muitas pessoas embarcarão nesse trem apenas a passeio, outras encontrarão no seu trajeto somente tristezas e ainda outras circularão por ele prontos a ajudar quem precise.
Assim é a viagem, cheia de atropelos, sonhos, fantasias, esperas, despedidas, porém, jamais, retornos. Façamos essa viagem então, da melhor maneira possível, tentando nos relacionar bem com os outros passageiros, procurando em cada um deles o que tiverem de melhor, lembrando sempre que em algum momento eles poderão fraquejar e precisaremos entender, porque provavelmente também fraquejaremos e com certeza haverá alguém que nos acudirá com seu carinho e sua atenção.
O grande mistério afinal é que nunca saberemos em qual parada desceremos, muito menos nossos companheiros de viagem, nem mesmo aquele que está sentado ao nosso lado.
Façamos com que a nossa estada nesse trem seja tranqüila, que tenha valido à pena e que quando chegar a hora de desembarcarmos o nosso lugar vazio traga saudades e boas recordações para aqueles que prosseguirem a viagem.
Maria e as panelas, as panelas e o fogão. Cheiro de temperos exalando no ar. O calor do forno penetrando nas suas entranhas e o pensamento no marido que vai chegar.
O marido chega do trabalho, cansado, suado e só quer comer, saciar a fome, saciar a sede e depois dormir.
Ela espera um beijo que não vem, um abraço que não tem. Não tem tempo de dormir, descansar, pois a louça suja na pia é a única coisa que a espera.
O sol bate na janela iluminando seu quarto, mas não sua alma.
A noite chega, o marido chega, as contas chegam, e ela esperando outro dia chegar. Roupa limpa, marido limpo, filho limpo, e ela? Suja, despenteada, mãos castigadas pelo detergente. A vida é dura, mas Maria segue em frente.
Domingo chuvoso, espero ansioso um novo amanhã
Chove bastante, chove e faz frio.
Um bom vinho cairia bem.
Imagino que a maioria das pessoas passou o domingo debaixo das cobertas, vendo televisão, lendo ou simplesmente dormindo.
Sauvignon 2004, acho que é uma boa pedida.
Com um tempo assim evita-se sair, viajar ou fazer programas que exijam locomoção.
É um domingo para refestelar-se e enroscar-se com os familiares e curtir a proximidade das pessoas queridas.
Relembrar o passado, sonhar acordado!
Adoro a chuva, talvez em função da minha ascendência campestre, em que a chuva era sempre bem vinda e aguardada festivamente.
Pego o violão! Talvez saia alguma coisa...
No interior, ela representa a possibilidade da fertilização do solo e consequentes colheitas futuras.
Quem sempre morou na cidade e em apartamentos, com pouco contato com o verde, talvez não perceba as modificações que a chuva realiza na natureza.
No Sul do país costumava matear solito, eu e as minhas coisas!
Falo dessa chuva mansa, que desce devagar e vai molhando o solo com parcimônia e cuidado.
Não destas que inunda tudo e destrói tanta coisa boa.
O solo que já não via água há meses e que por mais irrigação, continuava árido e seco.
É triste observar as plantas menores e mais frágeis irem definhando sob a inclemência do sol.
Mas mais triste ainda é ver cidades em baixo dágua, famílias perdendo tudo em uma noite de chuvas fortes.
E o nosso pensamento se volta para as plantações, que hoje vão brotando, as sementes se abrindo, a natureza se expandindo.
Num dia chuvoso olho para o quintal e percebo as plantas sorrindo para mim.
E eu sorrio para elas, numa intimidade que pode parecer loucura para alguns, mas que para mim significa que todos somos irmãos na natureza, homens, animais e vegetais.
O cuidado que dispensamos a cada um dos elementos é retribuído com a reciprocidade de podermos usufruir de um mundo belo, colorido e harmônico.
Após uma longa seca, surpreende-me encontrar pessoas que abominam a chuva, principalmente nos finais de semana.
Falo isto porque estamos sequinho no aconchêgo do nosso lar!
E se quisermos nos ater apenas a nossa natureza, experimentem respirar profundamente o ar que exala num dia como hoje.
Nossos pulmões agradecem a umidade natural, que se contrapõe a secura do ar após tanto meses sem chuva.
E o ar seco em demasia nos torna naturalmente cansados, sem ânimo para a realização de tarefas simples do dia a dia.
Se me for permitido comparar, considero um dia chuvoso tão belo como um dia de sol radiante.
Hoje é possível curtir a natureza enroscada na minha intimidade.
O sol nos lança ao mundo e nos convida as aventuras externas.
Tudo na natureza tem seu tempo e seu lugar.
Cabe a nós nos ajustarmos e agradecermos a Deus a possibilidade de podermos viver num mundo tão repleto de prazeres simples e tão impactantes.
E sigo mateando calado, olhando assustado o que restou de mim!
NOTAS:
-mateando - termo gauchesco que significa tomar mate, o mesmo que chimarreando.
-solito -só, sozinho.
Sábado é dia de feira, aliás é dia de tantas outras coisas mas, é na feira que a vida toma outro sentido. É um universo paralelo, de gente, barracas, frutas e legumes. O empurra-empurra e a fricção de corpos esparrama pela rua apertada uma energia milagrosa. Pouca oferta e péssima qualidade. Uma mistura de cheiros de hortaliças, peixes, carnes e gente suada. Tem que se ter paciência para se andar por entre as barracas, olhar tudo e não comprar nada. Cebola e alhos mirrados, mandioca e abóboras de dar pena.
O feirante aos berros anuncia: ” Vamos chegar freguesa, moça bonita não paga mas, também não leva”. Lugar de encontro de caninos abandonados, de pedintes maltrapilhos, de elegantes donas de casa, de ambulantes vendendo todo tipo de quinquilharias.
A barraca do pastel sempre lotada. Por que será que tomar café na feira é sempre mais gostoso? Será a magia do local ou a necessidade de companhia? Um alto-falante ecoa pela rua apinhada de gente: abacaxi a cinco reais a penca.
Carrinhos, sacolas, balaios, tudo serve para acomodar as compras. Tudo vale pois, hoje é sábado, é dia de feira, é sábado feira.
Danilo Soares Marques
―Toc,toc,toc,toc
―Quem é?
―Sou eu!
―Eu quem?
―Eu,uai, não tá reconhecendo minha voz?
―Voz de quem?
―Minha.
―Que que ocê qué?
―Entrar,ora!
―Entrar, pra quê?
―Quero te perguntar uma coisa.
―Que coisa?
―Deixa eu entrar que eu te digo
―Diz daí!
―Não posso. É muito importante.
―Começa com que letra?
―Como com que letra?
―A palavra, começa com que letra!
―Santo Deus! Começa com “V”.
―”V” de vaca?
―É, “V” de vaca!
―Tá me chamando de vaca?
―Não é nada disso! É “V” de você!
―E a segunda?
―Segunda o quê?
―A segunda palavra começa com quê?
―Mais Santo! Começa com “Q” de quer!
―Quer o quê?
―Você...Quer...Casar...Comigo?
―Porque não disse logo. Entra!
Danilo Soares Marques
SERIAM OS MINEIROS DEUSES ?
―Bastarde, cumpadi!
―Boa! Ocê tá bom?
―Indo, indo! Mas o cumpadi tá cuma cara di priocupado!
―Pois não é qui é!
―Que qui aconteceu pra deixá o amigo assim?
―Passei na banca do Zé e vi uma notiça que mi dexô cabrero...
―Qui notiça é essa, cumpadi?
―Dizqui uns tar de Maia tão querendo acabá com o mundo!
―Qui bobage é esta, rapá?
―Dizqui acharo uma pedra qui pode acabá com nóis tudo aqui.
―Só pode sê mintira das pió!
―Mais tão dizendo qui uma pedra caiu uma veiz na terra e acabou cum tudo!
―Só quem pode acabá cum mundo é Deus!
―Mais disqui um tar de Eric van num sei das quanta anda dizendo qui Deus é astronata. Magina só.
―Si Deus é astronata ele teria qui tê um fuguete e pelo que sei Deus num tem.
―É, mais também num tem asa! Quem tem asa é anjo.
―É memo. Si Deus num tem asa cumé qui ele pode tá in tudo qui é lugá?
―Só si for num fuguete.
―I si Deus tem um fuguete ele pode ir na terra destes tar de Maia i pegá a tar pedra i acabá com esse mundão!
―Rapá! Agora ocê mi dexô priocupado também.
―Tá vendo, cumpadi. Nóis aqui na boa e o mundo tá prá se acabá.
―Mais Virge Maria num há de permiti!
―Deus ti oiça.
―Amém!
Danilo Soares Marques
Eram oito horas da manhã quando a campainha tocou com um som estridente. Janete correu para abrir a porta. Do outro lado uma moça de seus 25 anos, baixinha, rechonchuda, pele morena, cabelo esticado à custa de muitas horas de chapinha.
―É aqui que tão precisando de faxineira?
―É aqui mesmo. Você faz faxina avulsa?
―Eu faço quantas veis a senhora quiser. Uma, duas, tres veis por semana.
―Eu queria só duas vezes por semana. E quanto você cobra?
―Cinquenta por faxina.
―É justo. E quando você pode começar?
―Hoje mesmo se a senhora quizé!
―Então entra e dá uma olhada na casa.
A moça entrou, examinou todos os cômodos e com um ar profissional argumentou:
―É, a casa é grande. Vai o dia inteirinho.
―Você fica à vontade que eu tenho que ir no salão lavar o cabelo. O material de limpeza está no armário da área de serviço. Eu não me demoro. Faça um bom serviço!
Por volta das onze horas Janete estava de volta. Ficou parada na sala de estar, petrificada, muda, atordoada. A sala estava limpa, os quartos estavam limpos, a cozinha estava limpa. Enfim, não havia mais nada na casa. Fora uma bela faxina.
Sentou no chão frio da casa vazia pois, nem cadeira a bandida deixou. Caiu num choro compulsivo maldizendo a sua burrice. O serviço fora bem feito. A casa estava limpa.
Danilo Soares Marques
Já era a quarta vez que passava e olhava pra ela. E quanto mais olhava mais a desejava. Nunca tinha visto tamanha beleza, tudo no lugar certo,cada detalhe primorosamente desenhado. Aproximou-se e, sem pensar duas vezes, tomou-a nos braços e a manteve assim durante todo o trajeto que conduzia à sua casa. Levou-a até seu quarto e a colocou delicadamente na cama. Tomou um demorado banho como se quisesse prolongar a espera e aquilo lhe deu prazer. Perfumou-se, barbeou-se, e vestiu a camisa.
Ela estava na cama do jeito que ele a deixara. Braços abertos como se esperasse para abraçá-lo. Ficou ainda por um bom tempo admirando aquela obra prima. Depois, não se contendo, agarrou-a com força. Primeiro um braço, depois o outro. Sentiu a sua maciez roçando a sua pele. Olhou-se no espelho. A jaqueta lhe caía muito bem, fora uma ótima aquisição.
(Danilo Soares Marques)
―Tião, olha o que tá dando na TV.
―O que é Benedita?
―Los Hermano e De Original vão cantá em Domingos Martins.
―É memo, mas deve de ser uma banana!
―Que nada, é di grátis!
―Di grátis? Intão vamo lá. Tem um ônibus às sete da noite.
―Vamo nessa!
―Vou levá umas econumia pra trazer umas lembrancinhas!
Praça cheia, ruas cheias, Tião e Benê entram em loja, saem de loja, examinam tudo.
Tião não se conteve e comprou uma camisa branca de mangas curtas, uma calça preta abaixo dos joelhos, suspensórios da mesma cor, meia brancas e sapatos não precisou, pois o dele combinava muito bem com o traje recém comprado. Benê comprou um vestido comprido, uma blusa branca e tiara de flores.
―Cumé que nós vai trocá de roupa, Tião?
―Na rodoviária!
―Vamo lá então.
Sai a dupla quase ao mesmo tempo dos banheiros. Tião paramentado, Benê deslumbrante. Tião escuro que nem jaboticaba. Benê mais escura ainda. Ninguém podia dizer que não era um típico casal alemão. Tião Fritz e Benê Frida.
―Praça mais cheia ainda. O show vai começar. O locutor anuncia: “E agora com vocês, Os Germanos!”―aplausos. Tião e Benê se acotovelando para conseguir um bom lugar.
Primeiros acordes. Benê desconfiada:
―Los Hermanos tão muito diferente não acha Tião.
―Vai vê é plástica. Sabe como são os artista.
―Não sei não. Num to vendo o Bruno Medina nem o Rodrigo Barba.
―Vai vê tão maquiados.
E a bandinha firme no “1 barril de chopp é muito pouco pra nós 2 barris de chopp é muito pouco pra nós 3 barris de chopp é muito pouco pra nós 4 barris de chopp é muito...”
Benê começa a se irritar― Ana Júlia, Ana Júlia.
E a bandinha firme no barril de chopp.
Acaba a apresentação. O locutor volta a anunciar:
―E agora com vocês: Original Donauschwaben Musikanten
―O que ele disse, Tião?
―Os Original vão tocá.
―Oba! Tomara que seja melhor.
Começa a banda. De novo o barril de chopp.Benê desconfiada e irritada.
―Tião, cadê o Netinho, num tô vendo.
―Deve de tá lá atrás, na bateria. Eu num tô vendo é o Ed Wilson.
―Tá disfarçado! Sabe cumé artista, né?
―Toca Mar de Rosa, Mar de Rosa ―grita Benê.possessa.
E a bandinha firme no chopp.
―Toca Fecha os Óio, Fecha os Óio!
E a bandinha firme no barril.
―Buuu! Buuu!-vaia Benê―corruptos, corruptos!
―O que é isso Benê.
―Não sei, vi na TV chamarem os político de corrupto. Intão deve sê coisa feia―Corrupto, corrupto!
Dois PMs encostam. Interpelam:
―Queiram nos acompanhar até a viatura!
―Pur que seu guarda?
―Lá eu explico.
―Viatura, xilindró.Benê numa cela,Tião na outra.
―Fumo enganado e ainda nos prende!
―Eu falei.Tudo que é de grátis não presta.
―É,mas pelo menos não vamo precisá gastá em hotel.
Os dois cairam na gargalhada. O importante é ser feliz e ser feliz é viver. Lustig sein heisst Leben!
(Danilo Soares Marques)
Viajar no Comboio Ibérico é como embarcar num cruzeiro. Apagaram-se as luzes da cabine e em vez do luar sobre o mar, vislumbravam-se no escuro árvores, postes, montes e casas a passarem velozes pela janela. Dentro do trem estava confortável e quente, a cama estava feita, a luz do abajur convidava as pessoas a ler antes de adormecer. A uma da manhã passaram entre as estações de Mangualde e Celorico da Beira. O comboio só voltou a parar na Guarda e em Vilar Formoso, onde a locomotiva da CP deu lugar a uma máquina da Renfe, que rebocou a composição para o outro lado da fronteira. Viajaram num Talgo Pendular, um trem de tecnologia espanhola na qual cada par de veículos assenta num par de rodas comum a ambos, diminuindo assim o peso e o atrito sobre os trilhos. Nas curvas, os vagões inclinam-se de forma automática e natural, conforme a velocidade seja maior ou menor, o que aumenta o conforto dos passageiros e permite que o comboio circule mais depressa.
O compartimento do vagão Gran Classe, de tons vermelho e rosa desmaiados, tinham dois lugares que foram transformados em camas e um banheiro privado com lavatório, WC e chuveiro. O espaço, naturalmente pequeno, era engenhosamente bem aproveitado. A bolsinha com os logotipos da CP e da Renfe estampados continham gel, sabonete, shampoo, escova de dentes, dentífrico, lâmina e creme de barbear, touca, lenços de papel, kit de costura e chinelos. Mas o quarto só servia para dormir porque a vida a bordo acontece no bar e no restaurante. Os passageiros tinham um cartão perfurado para abrir e fechar o seu quarto e o preço da viagem incluía o jantar e o café a bordo.
Alhandra, Alverca, Vila Franca de Xira, Azambuja. A periferia de Lisboa corria pela janela do compartimento, uma sessão de luzes amareladas, prédios, fábricas, armazéns. Mariano abriu a porta da cabine para o corredor, e avistou o Tejo com suas águas calmas.
O jantar a base de salmão defumado foi consumido vagarosamente. Nas viagens de comboio é uma arte fazer o jantar durar. Este durou entre as 22 horas e 30 minutos e a meia-noite e 15 minutos.
O restaurante tinha tons azulados que contrastavam com o preto e branco das toalhas de mesa. Luzes indiretas e um design sóbrio davam-lhe uma atmosfera acolhedora. Sem paisagem, porque lá fora a escuridão era total, tudo convidava a que os viajantes voltassem sua atenção para o interior. Nesse microcosmo as pessoas cumprimentavam-se, cúmplices, como se houvesse algo de especial por estarem ali no meio da noite jantando a velocidade de 140 Km/hora.
―Prefiro demorar uma noite para chegar a Madrid em vez dos 50 minutos do avião. "É confortável para descansar e dormir, é tranquilo, sai e chega à hora marcada e não tem overbooking", ― explicou Beatriz a Mariano, ―acrescentando que era a segunda vez que viajava nesse comboio.
Na mesa ao lado jantavam uma angolana residente em Cuba, duas cubanas e um cubano.
À meia-noite o vagão-bar, ao lado do vagão-restaurante, tinha um ambiente muito diferente. Bastava atravessar o estreito corredor que os separava e a atmosfera intimista de uma dava lugar a um espaço amplamente iluminado, onde um grupo de espanhóis ocupava todo o balcão. Pelas gargalhadas e tilintar de copos e garrafas, parecia que estavam num bar madrileno. Eram jovens estudantes e faziam parte de um grupo de 30 que embarcou em Coimbra. Ana Alvarez e Ivan Rodriguez estudavam Direito. Quando chegassem a Madrid, cada um apanharia um avião. Ela iria para Santander e ele para Cartagena.
O Lusitânia e o Sud procuravam responder a vários segmentos de mercado. O preço do Lisboa-Madrid ia desde os 60,50 euros na classe turista até aos 203,50 euros na Gran Classe Single. Pelo meio havia ainda as classes de Cama Turista e de Cama Preferente, e combinações possíveis de grupos de três ou quatro pessoas num compartimento, bem como preços diferentes para crianças, idosos e em bilhetes de ida e volta.
Vilar Formoso, Salamanca, Medina del Campo, Ávila. Dormiam embalados pelo andar do comboio, mas acordavam nas estações, sobretudo quando as paradas se eternizavam. Às seis da manhã (sete na hora espanhola) o diligente funcionário da Servirail acordou, através do telefone interno, os passageiros dos vagões-cama.
Lá fora era noite escura, mas a julgar pela quantidade de túneis, pontes, e aterros, notava-se que o Lusitânia atravessava agora a serra de Guadarrama.
O café com leite quentinho, as torradas, o croissant... A manhã, invernosa, estava adensada por uma neblina e uma umidade cortante, mas à qual o comboio-hotel parecia blindado. A estação de Chamartín apareceu sem aviso prévio. Eram 8 horas e 20 minutos quando o Talgo se imobilizou. Pontualidade britânica no coração da Península Ibérica.
(Danilo Soares Marques)