A Doutrina de Segurança Nacional se assentava na tese de que o inimigo da Pátria não era mais externo, e sim interno. Não se tratava mais de preparar o Brasil para uma guerra tradicional, de um Estado contra outro. O inimigo poderia estar em qualquer parte, dentro do próprio país, ser um nacional. Para enfrentar esse novo desafio, era urgente estruturar um novo aparato repressivo. Diferentes conceituações de guerra – guerra psicológica adversa, guerra interna, guerra subversiva – foram utilizadas para a submissão dos presos políticos a julgamentos pela Justiça Militar.
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Um grande mapa estava pendurado na parede do Centro de Operações instalado às margens do rio Carijó. Uma vareta percorria a moldura enquanto uma voz dava instruções a um grupo de agentes do Departamento Nacional de inteligência.
―Senhores, temos uma tarefa delicada a realizar. Precisamos monitorar as atividades do grupo guerrilheiro conhecido como Movimento de Libertação Nacional. Para tanto enviaremos vários agentes a diferentes locais com a tarefa de obter informações a respeito desta facção. Cada agente designado receberá suas ordens específicas. Nestes envelopes constam todas as informações necessárias. Leiam atentatamente e se não tiverem nenhuma dúvida dêem início à missão. Boa sorte a todos.
Foi aquele rebuliço, um tal de derruba cadeiras, cada um querendo pegar seu envelope primeiro que o outro. Jasper, acomodado na última fileira, foi também o último a pegar suas ordens.
Jasper dirigiu-se ao seu alojamento localizado em uma das barracas de campanha a fim de estudar com calma as instruções contidas no envelope. Ficou algum tempo contemplando aquela palavra escrita em letras vermelhas; "CONFIDENCIAL". Abriu com calma o envelope, recostou-se na sua cama de campanha e, como se estivesse lendo um romance nada divertido foi lendo as instruções, tentando decorar todos os detalhes:
1―Missão―interceptar no ponto mostrado no mapa uma possível patrulha inimiga, evitando o confronto direto, limitando-se a observar sem ser visto.
2―Anotar ―Direção tomada pela patrulha, o nº de pessoas integrantes, o armamento utilizado e a hora do ocorrido.
3―Evitar―Denunciar a posição, entrar em confronto direto com o inimigo.
4―Início da missão: 14:00 horas
Após a missão entregar o relatório à direção do Centro de Operações.
Conforme as normas estabelecidas, colocou o papel de volta no envelope, acendeu o isqueiro e aproximou a chama do papel no exato momento em que um pernilongo resolveu fazer sua refeição matinal, dando uma gostosa picada na mão que segurava o envelope. Institivamente, Jasper quis matar o ousado inseto dando um forte tapa na mão o que fez com que o envelope em chamas fosse parar em cima da cama, onde bagunçadamente jazia vários papéis. Imediatamente o fogo se alastrou pela modesta alcôva encontrando caminho fértil por entre o material altamente inflamável.
Jasper desesperado, não encontrando nada com que pudesse abafar as chamas, saiu atabalhoado porta afora em busca de água ou qualquer outra coisa que debelasse o fogo. Encontrou um balde mas este estava vazio. Correu até o carro pipa mas não conseguiu abrir o registro de água devido ao nervosismo de que fora tomado. Ao olhar para trás constatou desoladamente que mais nada adiantaria fazer pois, a barraca de lona verde ardia completamente tomada pelas chamas. Largou o balde e sentou-se dolentemente no eixo do carro pipa olhando sem acreditar no que seus olhos estavam vendo. Sem titubear tratou de sair dali o mais rápido possível. Entraria na mata e fingiria não saber de nada. Ainda bem que estavam todos em suas barracas lendo as instruções ou descansando antes de partirem para suas missões. Correu por uma trilha e, quando achou que já estava numa distância segura, sentou-se à sombra de uma árvore, ofegante e tremendo feito vara verde. Olhou o relógio. Estava mesmo na hora de cumprir a missão. Tentou lembrar de cabeça a localização da trilha por onde supostamente deveria passar a patrulha inimiga. Olhou o terreno ao seu redor, orientou-se e seguiu em frente imaginando a balbúrdia que na certa tomou conta do acampamento. Riu sozinho só de lembrar da cara dos seus colegas e superiores ao imaginar o que teria acontecido. É certo que perdera todas as suas coisas pessoais mas isto não importava muito pois não tinha nada que prestasse mesmo. Bateu nos bolsos da camisa e constatou satisfeito que os cigarros estavam ali. Começara a cair uma chuvinha fina, destas de molhar bobo. Logo avistou a trilha a uns cinquenta metros à frente. Achou uma posição estratégica numa elevação que tinha uma boa vista da trilha e de onde ele poderia observar sem ser visto. As horas passavam devagar e não demoraria muito para escurecer.
A chuva fina molhava as folhas das árvores ao seu redor. Estava com frio e o sono já começava a aturdir os seus sentidos. Já havia transcorrido umas quatro horas desde que recebera esta missão e ainda não sabia se iria ser substituído ou iriam lhe deixar mofando ali naquel lugar do inferno. Os "borrachudos", mesmo com chuva, não paravam de lhe azucrinar. Estava anoitecendo e lhe ocorreu que não trouxera a lanterna, que também a esta hora já devia ter sido consumida pelo fogo. A garoa começava a molhar sua roupa aumentando ainda mais o desconforto. A vontade de fumar ia e vinha constantemente e ele tentava controlá-la mascando folhas verdes das moitas molhadas ao seu lado.
Repasseou com cuidado as ordens recebidas e não lhe restou nenhuma dúvida: ficar de campana na trilha à sua frente, somente observar e depois relatar a direção, o número de pessoas,o armamento utilizado e a hora do ocorrido. Só que esqueceram de lhe avisar e ele esqueceu também de perguntar , até que horas ele deveria ficar ali. Estava quase se retirando, pois à noite de nada adiantaria fazer campana, pois na mata fechada a visibilidade seria zero, quando de repente ouviu barulhos de passos quebrando os galhos secos do estreito caminho que conduzia até a uma clareira a uns 200 metros à frente. Logo escutou um murmúrio e risos contidos e se preparou para melhor observar o caminho. Logo avistou o primeiro elemento de uma coluna de seis indivíduos. O primeiro vestindo uma jaqueta camuflada brandia um facão cortando galhos imaginários à sua frente. A tiracolo trazia um AR-15 ou um rifle de assalto M4A1. Logo atrás vinha um sujeito um pouco mais baixo que o anterior portando um FAL (Fuzil Automático Leve). O restante do grupo portava pistolas e revólveres. Instintivamente levou sua mão à coronha da pistola. Sentiu a inutilidade deste gesto pois, a sua Beretta 9 mm seria completamente inútil diante do poderio de fogo do inimigo à sua frente. Estava numa pequena elevação um pouco acima da trilha, de onde tinha uma boa visão do caminho.Tentou se ajeitar melhor de maneira que pudesse observar o grupo sem ser visto. Ao fazer isto seu pé enroscou num cipó estratégicamente colocado ali por obra do destino. Ao tentar dar um passo à frente o máximo que conseguiu foi se estatelar de encontro ao parapeito do barranco, levando consigo terra e galhos e fazendo um barulho que até na China se ouviria, ao mesmo tempo que escutava o som tão conhecido do engatilhar das armas. Estava completamente exposto e sem nenhuma reação, não lhe restando outra alternativa a não ser erguer as mãos e pedir que não atirassem. Se mordeu de raiva imaginando como é que ele conseguia ser tão estúpido e trapalhão. Botou a perder uma missão que não tinha nada de complicado e na qual até o mais ingênuo dos novatos poderia ter tido sucesso.
O que vinha à frente e que parecia ser o chefe do bando apontou o cano negro do FAL para sua cabeça e num gesto que não deixava dúvidas ordenou que ele deitasse no chão com as mãos para as costas. Ele, que não era doido, obedeceu prontamente.
―De onde você saiu, cabra da peste?
Tentou falar, explicar o que não tinha explicação mas, não conseguiu mais do que um grunhido. As suas pernas tremiam e a sua cabeça latejava. Um arrepio percorreu todo o seu corpo ao imaginar aquele cano negro apontado para sua cabeça, cuspindo fogo e expelindo chumbo quente. Sentiu alguma coisa quente escorrer pelas suas pernas.
―Acaba com este cara!―gritou alguém lá no fundo.
―Levanta, cara, lá no acampamento você canta tudinho.―disse o chefe para seu alívio.
Levantou mais que depressa antes que ele mudasse de idéia.