CRIME E CASTIGO
É quando o teu espírito vagueia pelo vento que tu, solitário e indefeso, fazes mal aos outros e também a ti mesmo.
E pelo mal que fazes deverás bater à porta dos abençoados e esperar. O teu eu interior é como o oceano; permanece para sempre imaculado.
E, tal como o vento, só ergue os seres alados. O teu eu interior é como o sol; não conhece os esconderijos da toupeira nem procura as tocas da serpente. Mas o teu eu interior não habita sozinho dentro de ti.
Muito em ti ainda é humano, e muito não o é, mas um pigmeu disforme que caminha sonâmbulo no nevoeiro à procura do seu próprio despertar.
O homem que há em ti e não o teu eu interior, nem o pigmeu no nevoeiro que conhece o crime e o castigo do crime.
Muitas vezes te ouvi falar daquele que cometeu um crime como se não fosse um igual a ti mas um intruso no teu mundo.
Mas digo-te que, tal como os santos e os justos não se podem erguer mais alto do que o mais alto que existe em cada um de ti, também os maus e os fracos não podem cair mais baixo do que o mais baixo que existe em ti.
E tal como uma simples folha só amarelece em conjunto com toda a árvore, Também aquele que comete um crime não o pode fazer sem a anuência secreta de todos nós.
Como numa procissão, caminhas juntos em direção ao teu eu interior.
Tu és o caminho e o caminhante e quando um de vocês caem, cai por aqueles que vêm atrás, para os avisar da pedra que encontraram no caminho.
E cai por aqueles que vão à sua frente, que, embora mais rápidos e seguros, não estão livres de tropeçarem na mesma pedra.
E notes que, embora a palavra te pese no coração: o assassinado não está isento de responsabilidade pelo seu próprio assassínio, e o roubado não está isento de culpas por o ter sido.
O justo não está inocente dos feitos do malvado, e o que tem as mãos limpas não está limpo dos atos do culpado.
Sim, o culpado é por vezes vítima do ofendido. E ainda mais vezes é o portador do fardo dos inocentes e retos. Não podes separar o justo do injusto e o bom do mau;
Pois eles andam juntos ante a luz do sol, tal como juntos são tecidos os fios brancos e negros.
E quando o fio negro quebra, o tecelão examina todo o tecido e também todo o tear.
Se algum de vocês trouxer a julgamento a mulher infiel, que também pese o coração do marido e meça a sua alma.
E que aquele que quiser flagelar o ofensor olhe para o espírito do ofendido.
E se alguém quiser te punir em nome do que é justo e cortar com o machado a árvore do mal, deixe então que se vejam as raízes;
E encontrará as raízes do bom e do mau, do que dá frutos e do que não dá, entrelaçadas no coração silencioso da terra.
E vocês, juizes, que querem ser justos, que condenação irão dar àquele que, embora honesto de corpo, é um ladrão de espírito?
Que castigo irão dar àquele que flagela a carne e também flagela o espírito?
Como procederão com aquele que nos seus atos é falso e opressor, mas que, no entanto, é também enganado e oprimido?
E como irão punir aqueles cujos remorsos são maiores do que os crimes que cometeram?
Não será o remorso a justiça que é administrada pela própria lei que querem servir?
No entanto, não poderão impor o remorso ao inocente, nem arrancá-lo do coração do culpado.
Subitamente, à noite, ele convocará os homens para que olhem para si próprios.
E vocês, que deveriam entender a justiça, como o poderão fazer a menos que olhem para os fatos à plena luz?
Só assim saberão que o erecto e o caído são um único homem no crepúsculo entre a noite da sua pequenez e o dia da sua espiritualidade, e que a pedra mãe do templo não é mais alta que a mais funda pedra dos seus alicerces.